01 março 2013

MOENDO GENTE


Ramazzini foi pioneiro no estudo das Doenças Ocupacionais
Nascido na ilha de Capri, na  Campânia do mar Tirreno, região pertencente à Itália, Bernardino Ramazzini (1633-1714) é considerado o pioneiro no estudo das Doenças Ocupacionais. É dele um dos primeiros estudos que se tem notícia sobre as enfermidades que aturdiam os trabalhadores naquela época, denominado De Morbis Artificum Diatriba, obra que ficou conhecida no Brasil como "As Doenças dos Trabalhadores", quando foi publicada pela Fundacentro. A relevância de seu trabalho foi um levantamento das principais atividades dos trabalhadores e as doenças por eles desenvolvidas ao longo do tempo. Aprofundando um pouco mais a leitura, se pode notar como ele também estudou a questão dos males osteomusculares e os impactos na saúde desta população, num momento em que sequer se cogitava a ciência da ergonomia. Desde que conheci a obra de Ramazzini, que no Brasil foi traduzida pelo Dr. Raimundo Estrela e está disponível na biblioteca da maioria das escolas técnicas, confesso que já li e reli inúmeras vezes seus relatos. São casos muitos interessantes, como, por exemplo, a profissão dos “coveiros” e dos “lustradores de bronze”, aqueles acometidos na maioria dos casos por doenças dos ossos e da coluna pelo esforço em posições incômodas, e estes com problemas respiratórios e pulmonares pela exposição a produtos químicos com frequência.  
Apesar do avanço da tecnologia, essencialmente nas atividades manuais e insalubres, onde a robotização e a automação assumiu o papel do homem, até hoje há tarefas no complexo rol dos processos de fabricação responsáveis por doenças que comprometem a classe trabalhadora para o resto de seus dias. O trabalho de Ramazzini, primeiro estudioso a constatar o nexo causal entre a atividade desenvolvida e os malefícios gerados, é relembrado em pleno século XXI.
O ambiente frigorificado é altamente insalubre
Por ter trabalhado durante anos na indústria da carne, posso afirmar com veemência que é uma das mais insalubres nesta lista. Os prejuízos são os mais diversos para a saúde de quem se dedica a ela, a começar pela exposição demasiada aos sistemas frigorificados, onde se convive costumeiramente com uma variedade de temperaturas. O “choque térmico” é constante, pois as idas e vindas da área externa para os locais de conservação prejudicam o organismo sobremaneira. Além disso, tanto em regiões mais frias, no sul do país, quanto em regiões de temperatura tropical, como o centro-oeste, os malefícios são idênticos. Nas regiões frias chega-se a comemorar a chegada do verão, tamanho é o sofrimento em câmaras frias e salas climatizadas durante o inverno. Nas regiões de clima mais ameno, o choque térmico parece ser mais prejudicial, quando se sai de uma exposição demasiada aos raios solares para um ambiente de temperaturas polares. Em qualquer região as doenças respiratórias são uma constante para estes trabalhadores. Aliás, até hoje tenho me perguntado se o mal que me acometeu recentemente não possui relação com esta convivência durante mais de 15 anos. É uma grande interrogação para mim e para os médicos, até o momento.
Outro aspecto irrefutável no setor frigorífico são as doenças por lesões de esforços repetitivos. Desconheço um setor da atividade econômica que inutilize tantos trabalhadores envolvidos em tarefas manuais quanto este. Talvez somente o setor de confecção tenha proximidade com o setor frigorífico. Aliás, já pude conviver nos dois, confecção e cárneo. Uma jornada de oito horas com metas intricadas a serem cumpridas em ambiente hostil de baixas temperaturas e com poucos intervalos de descanso.
As Lesões por Esforço Repetitivo também são
uma realidade presente nos frigoríficos
A época tem sido propícia para se discutir as doenças que envolvem as atividades frigoríficas, primeiramente inspirado pelo trabalho pioneiro de Ramazzini e, daqui pra frente quando se aguarda legislação inédita contemplando o setor. Está em fase de consulta pública a Norma Regulamentadora 37, Segurança e Saúde no Trabalho em  Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados. Para se ter ideia da insalubridade nos frigoríficos, segundo pesquisa do Ministério da Previdência Social, o risco de um trabalhador que realiza a desossa de carne de frango desenvolver uma “tendinite”, doença inflamatória que afeta os tendões dos músculos do antebraço e da mão, é 743% maior do que os trabalhadores de outras atividades. O sistema de “linha de desmontagem” obriga os operadores a acompanhar o processo de produção de acordo com a velocidade imposta pelo sistema, idêntico ao que Chaplin trouxe em seu clássico “Tempos Modernos”.  
Nos últimos anos a pressão por melhores condições de trabalho fez com que uma Comissão Tripartite fosse formada pelo Ministério do Trabalho e Emprego para a elaboração de legislação específica. Há poucos anos houve inclusive uma grande recusa por parte dos trabalhadores na seleção e recrutamento para este setor. No estado do Mato Grosso, alguns frigoríficos foram obrigados a capacitar índios das regiões interioranas para compor seus quadros funcionais, tamanha a falta de mão de obra. Denúncias são frequentes nesta área, inclusive com uma excepcional produção de documentários que comprovam a quantidade de trabalhadores prejudicados pelo ambiente inóspito dos frigoríficos. Três deles são muito elucidativos e estão disponíveis na internet: “Linha de Desmontagem”, dirigido por Daniel Herrera e André Constantin, e “Carne, Osso” e “Moendo Gente”, da Equipe ONG Repórter Brasil. Vale a pena acessar os documentários e entender essa realidade.
O Documentário "Linha de Desmontagem" destaca os problemas do setor
Após inúmeros processos trabalhistas e depois de uma quantidade grande de trabalhadores inutilizados, há uma luz no fim do túnel para aqueles que se envolvem com estas atividades. A chegada de uma legislação exclusiva pode ser o ponto inicial para desvelar muito da nebulosa insalubridade que acomete este meio.

3 comentários:

Uilson Carvalho disse...

Boas Jairo Brasil!

Mesmo que eu não tenha comentado tuas blogadas não deixo de ler este que é um dos sites que se fazem presente nos meus favoritos.

Sendo assim gostaria de comentar o caso do acidente na Gerdau, me recordo claramente das tuas colocações fazendo referência à segurança desta que é uma das maiores empresas do mundo, porém sem querer te contrariar eu não citava minha experiência de trabalho frente à segurança, gostaria assim de citar o programa chamado "A hora da segurança" que consiste em visitas diárias de uma hora por parte das lideranças aos setores de trabalho logo após o intervalo do almoço e jantar reforçando a política de segurança ocupacional na empresa, do ponto de vista dos empregados "A hora da segurança" serve para as chefias fiscalizarem o retorno dos funcionários ao posto de trabalho após o intervalo já que empresa "prega" a liberdade dos trabalhador sem controlar o horário de trabalho com ponto eletrônico. Trabalhei na Gerdau durante dois meses e não conheci nenhum Técnico de Segurança do Trabalho e nem na integração o técnico foi apresentado, quem fornece os EPIs no setor em que trabalhei é o pessoal do controle da qualidade que registravam no sistema o pedido de EPIs que fazíamos e nos orientavam à retirada dos mesmos no almoxarifado.
Na imagem temos um rolo de fio máquina que posteriormente será soldado à outros 3 rolos emendando todos pelo sistema de solda ponto cuja função eu exercia na empresa, imagine um suporte deste contendo 4 rolos de 500 kg inclinado à um ângulo de 45° para que possam após a soldagem deslizarem para o carretel que será levado para as máquinas trefiladoras de arame. Para impedir que o material deslizasse usávamos uma corrente trespassada na fita metálica que amarra o rolo mantendo ele fechado sob pressão, assim que realizava a solda de um rolo no outro cortamos a fita metálica e o material é liberado deslizando para o carretel e recomeçamos a solda da ponta deste no próximo ligando todos.
Para encontrar as pontas do fio máquina temos que permanecer à frente das duas toneladas de material inclinado preso por apenas uma corrente trespassada nas fitas metálicas dos rolos.

Detalhe: A única corrente que tem por função conter todo material é muito semelhante aquelas encontradas em lojas agropecuárias usadas para atrelar cavalos à carroças, sem ART, identificação de resistência e tensão e nenhum sistema de inspeção de rotina ou manutenção.

Sei que me estendi neste comentário mas queria passar só um pouco do que vivenciei no curto período que estive no setor de Trefila II na Gerdau de Sapucaia do Sul.

Sem mais meritíssimo.

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo Jairo,
foi enriquecedor conhecer um pouco de Bernardino Ramazzinni — de quem jamais ouvira falar.
Foi doloroso — sim! Muito sofrido — ver ‘Linha de desmontagem’. É sábio o titulo de tua blogada desta semana: “Moendo gente”.
¡ Como pode um ser humano passar horas só degolando.!
O empregador que propõe um trabalho assim a um empregado é um torturador.
Estou fantasticamente indignado.
¿Como terminar com isso?
Não tenho mais condição de comer frango se evocar as cenas que mostras.
Tristemente indignado
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com

JAIRCLOPES disse...

Limeriques

A escravidão continua nas lidas
Para o patrão lucrativas saídas
Na linha de montagem
Horrorosa voragem
Operários desmontam suas vidas.