22 outubro 2011

A LIÇÃO QUE VEM DA NATUREZA

As provas de que a natureza é magnânima e exuberante estão aí aos montes: para despoluir um rio, basta deixar de poluí-lo. Para recuperar uma área degradada, basta deixá-la livre das agressões físicas e químicas. E para reconstituir uma floresta, basta recuar com as motosseras e proteger a área por alguns anos. 

Não são todas as pessoas que possuem a percepção aguçada em relação aos encantos da natureza, mesmo que se habite em regiões urbanas como as metropolitanas. Exemplos podem ser vistos no dia-a-dia, principalmente em lugares onde se imagina não existir as mínimas condições de ela ali se manifestar.
Muitos canoenses como eu viram a cidade crescer e aos poucos ir engolindo áreas verdes enormes, numa sanha imobiliária que ainda nos dias de hoje prepondera. Todos os dias recebo panfletos nos sinais sobre novos empreendimentos imobiliários em Canoas. E o mais interessante é que a maioria dessas pessoas que entregam os panfletos sequer possuem moradia própria. Lembro também de alguns lugares onde eu e meu irmão brincávamos na infância e que hoje habitam somente em nossa memória. Por isso, é que muitas vezes observo bastante preocupado a fúria imobiliária que acomete os últimos redutos verdes de Canoas. Muitas árvores frondosas já foram imoladas por aqui para acolher residenciais e condomínios de luxo. Embora utilizada para acolher uma população que muito necessitava de moradias e que, por isso, pode se considerar bem utilizada, uma das áreas verdes mais lindas de Canoas que tenho em minha memória, e que foi parte importante da juventude de muitos canoenses como eu, foi a Fazenda Guajiviras, e que hoje é um dos mais populosos bairros da cidade.

Mas a resistência demonstrada pela natureza é impressionante, porque onde houver uma pequena “janela de oportunidade”, como dizem os atuais papas da economia, ela é capaz de ressuscitar e mostrar toda sua pujança. Diferentemente de muitas pessoas que ao menor sinal de dificuldades se mostram prostradas e desistem de seus objetivos, a natureza busca alternativas de continuar sua jornada, ignorando o caminho difícil e as condições inadequadas impostas.


É este exemplo que busquei na edição de setembro da Folha do Meio Ambiente, mais conhecida por folha do meio (www.folhadomeio.com.br) , periódico publicado em Brasília por meu amigo e jornalista Silvestre Gorgulho, onde outrora publiquei alguns excertos da temática ambiental. Nesta edição o Silvestre, através das lentes do fotografo Leandro Barcellos, traz um pé de ipê que foi arrancado da floresta para servir de poste. Este exemplo de Porto Velho, em Rondônia, é muito forte. E pontual. O tronco do ipê amarelo cortado e transformado em poste recebe todo tipo de fiação. Fios de energia, de telefonia, de tevê a cabo e até a iluminação pública. A foto de Leandro Barcellos mostra bem como o emaranhado de fios, pregos, ganchos e arames sufoca o ipê.

Ao abraço de urso, o ipê dá uma resposta pacífica aos agressores. Às marteladas, facões e serrotes, responde com amor. Ao desrespeito e abandono, oferece uma vez mais sua sombra e se veste de flores. Ao assassinato de seus galhos e folhas, responde com a vida. Ressuscita para anunciar a Primavera.

E além do exemplo que a natureza nos confere, e que sorrateiramente tomei emprestado da publicação do Silvestre neste setembro, fiquei estupefato com a poesia lavrada por ele para homenagear o ipê heróico.   

"Não aceitando a imposição do homem, o ipê fincou pé e readquiriu a vida. O poste que floriu fica como uma homenagem à Primavera".
O MILAGRE DO IPÊ 
Silvestre Gorgulho
O Primeiro Ato é mais que conhecido:
- Esta árvore é minha! Vocifera o bronco.
Vai me trazer o conforto merecido.
Este pé de ipê é de excelente porte.
Tira-lhe os galhos... Raspa-lhe o tronco,
Pois que está condenado à morte!

Vem, a seguir, o Segundo Ato:
- Tudo tem que estar pronto ao fim do dia.
Não há espera. Árvore é no mato!
Prendem-lhe fios, arames e pregos
Para que a modernidade em energia
Chegue a todo bairro em imediato!

O Terceiro Ato é mais que previsível.
- Morreu como um crucificado!
É forte? Madeira de lei? É invencível?
Que nada! Estarei no meu sofá sentado
E este pé de ipê me dará alívio
Ao trazer luz, tevê e ar condicionado.
Como fez o Cristo no Calvário.

O Ipê - no Quarto Ato - foi divino:
Abriu em belíssimo cenário
Pra ressurgir florido à espera
De ofertar flores ao assassino.
Exuberante! Lindo! Uma quimera!
Respondeu com paz, o solitário,
E saudou com vida a Primavera!


Fonte: Folha do Meio Ambiente – Setembro de 2011

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
a foto do Ipê que recusou a ser só poste (e ele merece letra maiúscula)
é a documentação de algo sensacional. Releve-me o poeta, mas a audácia do Ipê fala por si.
Obrigado por nos levares de Guajuviras a Rondônia (onde a mineração da cassiterita realiza das maiores agressões da natureza).
Parabéns pela magnifica edição desta semana,
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com